quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

PoemArma


Que o poema tenha rodas motores alavancas
que seja máquina espectáculo cinema.
Que diga à estátua: sai do caminho que atravancas. 
Que seja um autocarro em forma de poema. 

Que o poema cante no cimo das chaminés 
que se levante e faça o pino em cada praça 
que diga quem eu sou e quem tu és 
que não seja só mais um que passa.

Que o poema esprema a gema do seu tema 
e seja apenas um teorema com dois braços. 
Que o poema invente um novo estratagema
para escapar a quem lhe segue os passos.

Que o poema corra salte pule 
que seja pulga e faça cócegas ao burguês 
que o poema se vista subversivo de ganga azul 
e vá explicar numa parede alguns porquês

Que o poema se meta nos anúncios das cidades 
que seja seta sinalização radar 
que o poema cante em todas as idades 
(que lindo!) no presente e no futuro o verbo amar.

Que o poema seja microfone e fale 
uma noite destas de repente às três e tal 
para que a lua estoire e o sono estale 
e a gente acorde finalmente em Portugal.

Que o poema seja encontro onde era despedida. 
Que participe. Comunique. E destrua 
para sempre a distância entre a arte e a vida. 
Que salte do papel para a página da rua
.
Que seja experimentado muito mais que experimental 
que tenha ideias sim mas também pernas 
E até se partir uma não faz mal: 
antes de muletas que de asas eternas . 

Que o poema fique. E que ficando se aplique 
A não criar barriga a não usar chinelos. 
Que o poema seja um novo Infante Henrique 
Voltado para dentro. E sem castelos.

Que o poema vista de domingo cada dia 
e atire foguetes para dentro do quotidiano. 
Que o poema vista a prosa de poesia 
ao menos uma vez em cada ano. 

Que o poema faça um poeta de cada 
funcionário já farto de funcionar. 
Ah que de novo acorde no lusíada 
a saudade do novo o desejo de achar.

Que o poema diga o que é preciso 
que chegue disfarçado ao pé de ti 
e aponte a terra que tu pisas e eu piso. 
E que o poema diga: o longe é aqui. 
 
Manuel Alegre 

Sem comentários: