terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Os fundos e fundões de Peniche

A recente notícia sobre a expansão dos portos (poder) voltar a ser uma prioridade para o investimento (+ de 5 mil milhões de euros) público até 2020 levou-me ao baú das coisas mal feitas que guardo no sotão das minhas memórias.
Lembrei-me de Henrique Neto e da sua constante batalha contra o afundar do distrito de Leiria, nomeadamente, na sua luta pela reestruturação da linha ferroviária do Oeste e pelo porto de águas profundas em Peniche. 
E, claro está, com ajuda googleana, (re)encontrei este diálogo ocorrido em 1997 na Assembleia da República (DAR I série Nº.63/VII/2 1997.04.18) entre Henrique Neto e Barradas Leitão (também ele Tó-Zé de nome, penicheiro de acção, mas que viveu a política sem espelhos à sua volta):

O Sr. Presidente: - “Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto”.



O Sr. Henrique Neto (PS): - “Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Srs. Deputados: … é vital para a competitividade da nossa economia e para o bem-estar dos portugueses que a prioridade estratégica absoluta da política portuária nacional seja a inversão da actual direcção de tráfego que se realiza de Roterdão e de Marselha para Portugal, para conseguir que os grandes barcos porta-contentores da rota atlântica, de 4000 e de 6000 Teus, façam de Portugal o seu porto de arribação e de transbordo para os barcos "feeders" que de Portugal partam para servir os portos do Sul e do Norte da Europa, deixando aqui a enorme mais-valia que é a existência de carreiras regulares de navios para todo o mundo, com baixos preços e rapidez.

Para tal, precisamos de um porto de águas profundas, que não pode ser Lisboa, Setúbal ou Leixões e que defendo seja Peniche ou, então, Sines. Este porto não pode, nem deve, ser visto na tradicional óptica das obras públicas ou na mera óptica dos interesses paroquiais ou locais, por mais legítimos que estes sejam. Deve ser um porto feito à medida dos barcos que estão a ser construídos e que deverá ser o mais barato porto da Europa, por ser o mais automatizado, aquele onde os barcos terão a mais curta permanência e onde a vantagem do país e do Estado será o reforço da economia e não o rendimento obtido por força de taxas e de emolumentos portuários.

Esta visão permitirá uma nova oportunidade para a marinha mercante nacional e para a nossa construção naval, através do tráfego para o Norte e para o Sul da Europa e regiões autónomas, com barcos mais pequenos, alimentados de carga pelos grandes barcos da rota atlântica. Tal implica ligações ferroviárias modernas, no sentido de ganhar a batalha do interland peninsular e acabar de vez com o excessivo domínio do transporte rodoviário, cujos custos económicos, ambientais e sociais são conhecidos.                                                          


Por outro lado, é minha convicção que não é uma boa estratégia fazer recuar a história e querer que o porto de Lisboa possa ser um grande porto de contentores, porque não possui os fundos necessários, não tem os espaços de cais disponíveis e, mais importante, Lisboa é um grande centro urbano, com todos os problemas daí decorrentes: ambientais, de congestionamento de tráfego e de custos elevados.


Finalmente, permitam-me, Sr. Presidente e Srs. Deputados, uma palavra a favor da minha região, o distrito de Leiria, a qual nada tem a ver com a questão estratégica que aqui defendi. A realização deste porto de águas profundas em Peniche é uma solução mais barata do que as alternativas, porque permite a ligação ferroviária mais conveniente e barata através do atravessamento e ligação às linhas do Norte e Oeste, ganhando o interior e o transporte peninsular, para além de ser a única solução que permite cumprir o importante objectivo tecnológico e económico de possuirmos um porto especializado no transporte de contentores.

Sr. Presidente, Srs. Deputados: … por favor, não deixemos de responder a este desafio histórico, que é uma janela de oportunidade para voltar a colocar Portugal no centro do transporte marítimo mundial”.



(Aplausos do PS.)



O Sr. Presidente: - “O Sr. Deputado António Barradas Leitão pediu a palavra para um pedido de esclarecimento. Dispõe de 12 segundos, o que não é muito, mas tem a palavra”.



O Sr. António Barradas Leitão (PSD): - “Ouvi com muito agrado a intervenção do Sr. Deputado Henrique Neto, especialmente no que diz respeito ao grande porto de águas profundas que defende para o nosso país e a sua localização em Peniche, posição com a qual concordo. No entanto, a posição do Governo é contrária à do Grupo Parlamentar do PS, concretamente em relação à que aqui foi expressa pelo Sr. Deputado Henrique Neto. O Governo defende Sines como o grande porto de águas profundas para Portugal, o porto de transhipment, enquanto que o Sr. Deputado Henrique Neto, em nome do PS, defende essa localização em Peniche.

Assim, pergunto ao Sr. Deputado Henrique Neto o que pensa fazer para dirimir este conflito entre o Grupo Parlamentar do Partido Socialista e o Governo. Será que a sua posição, a posição do PS, vai ter consequências práticas quando for discutido o Orçamento do Estado para 1998? Será que desta vez o PS não vai votar contra a inclusão no PIDDAC de obras de ampliação do porto de Peniche, como votou em relação ao PIDDAC para 1997?

Gostaria de ouvir a opinião do Sr. Deputado Henrique Neto quanto a esta contradição entre o PS e o Governo.



O Sr. Presidente: - Para responder, se assim o desejar, tem a palavra o Sr. Deputado Henrique Neto. A Mesa concede-lhe 1 minuto, em paralelismo com o que fez em relação ao Sr. Deputado António Barradas Leitão.



O Sr. Henrique Neto (PS): - “Sr. Deputado António Barradas Leitão, não posso corresponder e dizer que ouvi com agrado, porque não ouvi, a intervenção do seu partido sobre a mesma matéria. Por um lado, porque sobre o essencial das questões nada disse. Por outro, porque de ideias foi zero. Por outro, finalmente, porque nem sequer se ateve do ponto de vista da defesa de qualquer proposta. Fez aquilo que, aliás, tem feito hoje durante todo o dia: chicana política, debate vazio. E isso é também grave, porque V. Ex.ª, em Peniche, é muito agressivo e combativo na defesa de um porto que aqui, não teve a coragem de defender.

E evidente, e não preciso de o esclarecer a si nem à Câmara, que a posição que aqui defendi relativamente a Peniche é a defesa de um ponto de vista meramente pessoal e que, como é evidente, não compromete o Governo nem implica qualquer conflito. Aliás, conflito que VV. Ex.as tentam ver em tudo, tentam dinamizar, tentam criar, porque, no fundo, VV. Ex.as não estão aqui para discutir as questões do país, as grandes questões nacionais, mas, sim, para fazer chicana política,…”



(Protestos do PSD.)


1 comentário:

José Carlos Romão disse...

Independentemente de motivos partidários, creio que um porto de águas profundas será sempre mais apoiado por não penichenses do que por naturais (como os casos da cogeração, da expansão do porto de Alcântara e, no concelho, da instalação de um reator nuclear).