(Paula Rego) Mulher-cão / pastel de óleo, 1994, |
Ela acendeu
a brasa do fogão anos e anos a fio.
Esfregou o
soalho lavou a roupa e os vidros da janela, costurou bainhas descosidas e levou
toalhas a cheirar a rosmaninho à senhora do andar de cima.
Foi ao
quintal buscar hortelã para a canja e adormeceu ao som das gargalhadas felizes
dos meninos hoje já todos engenheiros com a Graça do Senhor.
Agora está
atada ao côncavo da terra por atilhos grossos.
Ladra à lua e
tudo nela é carne e sangue.
Morde a mão e
dança a valsa sobre o chão confuso de algum sonho diluído lá no longe nos botões do maestro do coreto aos domingos e feriados.
Ela é grossa
e ladra à lua.
Sente o corpo a crepitar e rasga o coração.
Inesperadamente, entre coágulos de sangue, fala línguas que nunca ninguém lhe ensinou.
Está atada à
sangrenta forja das gramáticas lunares e procura uma palavra um nome mesmo que
obscuro e difícil de entender.
É uma mulher
grossa e no côncavo do corpo fala línguas sem sentido.
Deixou secar
os coentros a salsa e a hortelã.
Chama-se cão
e ladra à lua. Vive atada às
chamas que a consomem.
José Fanha
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