terça-feira, 29 de junho de 2010

Tempo de piedades enganadoras


Hoje, com apenas dez minutos para blogar, quer o google, quer a.b.r.i.l., evocando o 110º aniversário de Antoine Saint-Exupéry fizeram-me recordar uma passagem deste escritor (in Cidadela), cuja versatilidade admiro e sempre me faz render à Excelência.

"Houve uma altura da minha mocidade em que senti piedade pelos mendigos e pelas suas úlceras. Até chegava a apalavrar curandeiros e a comprar bálsamos por causa deles. As caravanas traziam-me de uma ilha longínqua unguentos derivados do ouro, que têm a virtude de voltar a compor a pele ao cimo da carne. Procedi assim até descobrir que eles tinham como artigo de luxo aquele insuportável fedor. Surpreendi-os a coçar e a regar com bosta aquelas pústulas, como quem estruma uma terra para dela extrair a flor cor de púrpura. Mostravam orgulhosamente uns aos outros a sua podridão e gabavam-se das esmolas recebidas. Aquele que mais ganhara comparava-se a si próprio ao sumo sacerdote que expõe o ídolo mais prendado. Se consentiam em consultar o meu médico, era na esperança de que o cancro deles o surpreendesse pela pestilência e pelas proporções. Chegavam a empregar os cotos para conquistar um lugar no mundo. Daí também o aceitarem os cuidados como uma homenagem e oferecerem os membros a abluções bajuladoras. Mas, apenas o mal os deixava, descobriam-se sem importância. Já nada alimentavam que fosse deles próprios, davam-se por inúteis. O único remédio era ressuscitar de novo essa úlcera que vivia à custa deles. E, uma vez envoltos de novo no seu mal, gloriosos e vãos, pegavam na escudela, e tornavam a empreender o caminho das caravanas. Voltavam a espoliar os viajantes em nome dos seus sórdidos deuses."

Sem comentários: