"Naquele mês de Março de 1974, ambos estávamos a prestar serviço como
oficiais milicianos na EPAM (Escola Prática de Administração Militar),
na Alameda das Linhas de Torres, no Lumiar. Um dia, o António pediu a
minha ajuda para uma “operação”: telefonar à mulher dele, a meio da
manhã, informando-a de que, inesperadamente, tinha ocorrido uma
emergência e que ele fora enviado, com outros colegas, para um
“exercício militar”, pelo que estaria incomunicável durante 48 horas.
Devia acrescentar que era apenas um treino, pelo que não havia qualquer
razão para ela se preocupar. Na lógica de uma velha (ainda que
contestável, eu sei!) solidariedade masculina, prontifiquei-me a fazer a
chamada telefónica.

À chegada à EPAM, um complexo situado onde hoje é uma universidade, o
António estranhou ao ver que os grandes portões de entrada estavam
fechados, contrariamente ao que era habitual. Buzinou, aparecendo pela
guarita a cabeça do sargento-de-guarda, o qual, reconhecendo-o, deixou
entrar o MGB.
Só que a vida tem destas surpresas: estávamos precisamente no dia 16
de Março, as tropas fiéis ao general Spínola tinham-se amotinado na
noite anterior nas Caldas da Rainha e a EPAM, como todas as unidades
militares, estava, desde há horas, de rigorosa prevenção. Como era de
regra nestes casos, todos os militares ficavam obrigatoriamente retidos
em serviço.
O António já não foi autorizado a abandonar a unidade, recordo-me da
sua fúria e do imenso gozo com que alguns de nós, conhecedores do
“esquema” que acabara de se esboroar, vimos a pobre e bela amiga do
António a ter de sair da EPAM, a pé, com um saco na mão, em busca de um
táxi ou de um autocarro.
Por mim, livrei-me de ter de dizer uma mentira à mulher do António. Ele tinha agora um álibi imbatível." FSCosta
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